sábado, 27 de agosto de 2011

Ilustrações de Robert Crumb

"Velho escritor põe blusão, senta, sorri para a tela do computador e escreve sobre a vida. Seremos tão santos?"


Não sei quanto as outras pessoas, mas quando me abaixo para colocar os sapatos de manhã, penso, Deus Todo-Poderoso, o que mais agora?"




" Escute, não ficaria bem um cara de 71 anos tirar o seu couro na frente de toda essa gente, ficaria?"




Ilustrações de Robert Crumb referentes ao livro" O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio" de Charles Bukowski.

sábado, 20 de agosto de 2011

Na cela do inimigo público número um - Charles Bukowski


Estava escutando Brahms em Filadélfia em 1942. numa vitrola pequena. o segundo movimento da 2a sinfonia. naquela época eu morava sozinho, bebia devagar uma garrafa de vinho do Porto e fumava um charuto ordinário, num quartinho limpo, como se diz, houve uma batida na porta. pensei que fosse alguém pra me entregar o prêmio Nobel ou Pulitzer. eram 2 sujeitos enormes com cara de burros e grossos.
 Bukowski?
 é.
 mostraram o emblema: F.B.I.
 nos acompanhe. melhor vestir o casaco, vai se ausentar por uns tempos.
 não sabia o que tinha feito, nem perguntei. achei que, de qualquer forma, estava tudo perdido. um deles tirou o Brahms da vitrola. descemos a escada e saímos na rua, cabeças apareciam nas janelas como se todo mundo já estivesse sabendo.
depois a eterna voz de mulher: ah, lá vai aquele homem horrível prenderam o cafajeste!
simplesmente não dou sorte com elas.
continuei me esforçando pra lembrar o que podia ter feito, e a única coisa que me ocorria é que talvez, de porre, houvesse matado alguém. mas não conseguia entender o que era que o F.B.I. , tinha a ver com aquilo.
mantenha as mãos nos joelhos e não mexa com elas!
havia 2 homens no banco da frente e 2 no de trás, de modo que imaginei que devia ter assassinado alguém — decerto algum figurão.
continuamos rodando, de repente esqueci e levantei a nulo pra coçar o nariz.
OH IA ESSA MÃO AI!!
 quando chegamos na delegacia, um dos agentes apon-tou para uma fileira de fotos nas 4 paredes.
tá vendo estes retratos?, perguntou com dureza.
 olhei um por um. estavam bem emoldurados, mas nenhuma das caras me dizia nada.               tô vendo, sim — respondi.
são homens que foram assassinados quando trabalhavam pro F.B.I.
 não sei o que ele queria que eu dissesse, por isso continuei calado.
 me levaram pra outra sala.
 tinha um homem atrás da escrivaninha.
 CADÊ O TEU TIO JOHN? — gritou na minha cara.
como? — retruquei.
CADÊ O TEU TIO JOHN?
 eu não sabia a quem ele estava se referindo, por um instante cheguei a pensar que quisesse dizer que eu andava por aí carregando alguma arma secreta pra matar gente quando ficava bêbado. me senti todo atrapalhado, não entendendo mais nada.
me refiro a JOHN BUKOWSKI!
ah. ele morreu.
 merda, POR ISSO é que a gente não conseguia descobrir onde ele estava!
 me levaram lá pra baixo, pra uma cela cor de laranja. era sábado de tarde. pelas grades da janela dava pra ver as pessoas caminhando na calçada. que sorte que tinham! do outro lado da rua havia uma loja de discos. o alto-falante tocava música pra mim, tudo parecia tão calmo e tranqüilo lá fora. ficava ali parado, de pé, tentando lembrar o que poderia ter feito. sentia vontade de chorar, mas não saia lágrima alguma. era só uma espécie de tristeza, de náusea, uma mistura de uma com a outra, não existe nada pior. acho que você sabe o que quero dizer, todo mundo, volta e meia, passa por isso, só que comigo é muito freqüente, acontece demais.
a Prisão de Moyamensing me lembrava um castelo antigo. 2 vastos portões de madeira se abriram pra me acolher. até hoje me admiro que não tivéssemos que passar por cima de um fosso.
 me puseram na cela de um sujeito gordo com cara de perito contador.
sou Courtney Taylor, inimigo público n2 1 disse ele pra mim.
por que você foi preso? — perguntou.
 (a essa altura eu já sabia; tinha perguntado no caminho.)
fui convocado e não me apresentei.
tem 2 coisas que aqui ninguém topa: recruta que não se apresenta
 e exibicionista tarado.
 código de honra de ladrões, hem? manter o país forte pra continuar com a roubalheira.
mesmo assim, ninguém gosta de convocados omissos.
sou de fato inocente, me mudei e esqueci de deixar o novo endereço na junta de recrutamento. comuniquei aos correios. recebi carta de St. Louis quando já estava aqui, dizendo que tinha que comparecer ao exame médico, respondi que não dava para ir até lá e pedi pra fazer o exame aqui mesmo. botaram os caras atrás de mim e agora tô em cana, não entendo: então, se eu quisesse escapar do recrutamento, ia dar o endereço pra eles?
 todos vocês sempre se fazem de sonsos. pra mim isso é conversa mole pra boi dormir.
 me estirei no beliche. passou um carcereiro.
LEVANTA ESSE RABO DE MORTO DAÍ! — berrou comigo.
levantei meu rabo de morto de convocado omisso.
você quer se matar? — perguntou Taylor.
 quero — respondi.
então puxa esse cano ai em cima que prende a lâmpada da cela, enche aquele balde com água e coloca o pé dentro. desatarraxa, tira a lâmpada fora e enfia o dedo no encaixe. ai você sai daqui.
fiquei olhando um bocado de tempo pra lâmpada. obrigado, Taylor, você é um verdadeiro amigão.

as luzes apagaram, me deitei e eles começaram. piolhos.
 porra, o que é isto? — berrei.
 piolhos — respondeu Taylor. — aqui tem muito.
 aposto que tenho mais que você — retruquei.
 tá apostado.
 dez cents?
 dez cents.
 comecei a catar e a matar os meus. fui colocando em cima da mesinha de madeira.
 por fim demos um basta. Levamos os piolhos pra grade da cela, onde havia luz, e contamos. eu tinha 13 e ele 18. entreguei-lhe a moedinha. só muito mais tarde descobri que ele partia os dele ao meio e depois esticava. era estelionatário. profissional. filho-da-puta.
 fiquei cobra com os dados no pátio de exercício. ganhava todo santo dia e já estava cheio da grana. cheio da grana pra cadeia, bem entendido. fazia 15 ou 20 pratas por dia. o regulamento proibia o jogo de dados e os guardas, lá de cima das torres, apontavam as metralhadoras pra gente e berravam PAREM COM ISSO! mas sempre se dava um jeito de continuar a partida. quem trouxe os dados pra prisão sem ninguém perceber foi um tarado exibicionista. o tipo do tarado que não me agrada. aliás, não gostava de nenhum deles. todos tinham queixo fraco, olhar lacrimoso, bunda magra e jeito viscoso, projetos de homens. acho que não era culpa deles, mas não gostava de olhar pra aquela gente. esse a que me refiro sempre se chegava depois de cada partida.
 você tá afiado, tá ganhando uma nota preta, dá um pouco pra mim.
 eu largava uns trocados naquela mão de cadáver e ele se afastava, feito cobra, o porco sacana, sonhando com o dia em que pudesse mostrar a pica de novo pra garotinhas de 3 anos. eu dava o dinheiro porque era o único meio de me conter e não bater com o cinto nele, mas quem fazia isso ia pra solitária, uni buraco deprimente — não tanto quanto o pão molhado na água  que se ficava obrigado a comer. eu via quando os caras saíam de lá: demoravam um mês pra voltar ao seu estado normal. mas todos nós éramos abortos da natureza. eu não fugia à regra. não fugia mesmo. fui muito duro com ele. só conseguia raciocinar direito quando desviava o olhar.
estava rico. depois que apagavam as luzes, o cozinheiro trazia pratos de comida, comida da boa e à beça, sorvete, bolo, torta, café de primeira. Taylor me avisou pra nunca dar mais de 15 cents pra ele, senão seria exagero. o cozinheiro agradecia em voz baixa e perguntava se devia voltar na noite seguinte.
mas nem tem dúvida — respondia eu.
 era a mesma comida que levavam para o diretor da prisão, que, evidentemente, gostava de passar bem. os presos andavam todos famintos, enquanto que Taylor e eu desfilávamos pra lá e pra cá, parecendo 2 mulheres no nono mês de gravidez.
 gosto desse cozinheiro — comentei —, acho um cara legal.
 e ele é — concordou Taylor.
 não parávamos de reclamar dos piolhos pro carcereiro, e ele berrava conosco:
 ONDE PENSAM QUE ESTÃO? NUM HOTEL? QUEM TROUXE ESSES BICHOS PRA CÁ FORAM VOCÊS MESMOS!
 o que, naturalmente, considerávamos um insulto.
 os carcereiros eram mesquinhos, os carcereiros eram burros e viviam mortos de medo. sentia pena deles.
 finalmente puseram Taylor e eu em celas separadas e fumigaram a que tinha piolhos.
 encontrei Taylor no pátio.
 me botaram junto com um pirralho — disse Taylor, bobo que só vendo —, tá por fora de tudo, um horror.
 fiquei com um velho que não sabia falar inglês e passava o tempo todo sentado no penico, a repetir: TARA BUBA COME, TARA BUBA CAGA! não parava nunca. tinha a vida programada: comer e cagar. acho que se referia a alguma figura mitológica da terra dele. ah, vai ver que era Taras Bulba? sei lá. a primeira vez que saí pra fazer exercício no pátio, o velho rasgou o lençol do meu beliche e fez com ele uma corda; pendurou as meias e as cuecas naquilo e quando entrei ficou tudo pingando em cima de mim. nunca saía da cela, nem pra tomar banho. não havia cometido crime nenhum, diziam, só queria ficar ali dentro e deixavam, um ato de bondade? fiquei brabo com ele porque não gosto de roçar a pele em cobertor de lã. minha pele é muito sensível.
 seu velho sacana — gritava com ele —, já matei um cara e é só você não andar direito que acabo matando dois!
 mas ele ficava simplesmente sentado ali no penico, rindo pra mim e dizendo: TARA BUBA COME, BUBA CAGA!
acabei desistindo, mas, seja lá como for, nunca precisei escovar o chão, aquela porra de casa dele vivia sempre úmida e escovada, devia ser a cela mais limpa da América, do mundo. e adorava aquela refeição extra de noite, se adorava.
 o F.B.I. resolveu que eu estava inocente da acusação de ter fugido deliberadamente da convocação das forças armadas e me mandou para o centro de recrutamento. tinha uma porção de presos que mandavam pra lá. fui aprovado no exame biométrico e depois tive que falar com o psiquiatra.
 você acredita na guerra? — perguntou.
 não.
 está disposto a lutar?
 estou.
 (andava com uma idéia meio biruta de sair de uma trincheira e sair caminhando em direção à linha de fogo até que me matassem.)
 ficou um bocado de tempo sem falar nada, só escrevendo numa folha de papel. depois levantou os olhos.
 a propósito, na próxima quarta-feira à noite vai ter uma festa com médicos, pintores e escritores, queria te convidar. você aceita o convite?
 não.
 tá certo — retrucou —, não precisa ir,
 aonde?
 pra guerra. fiquei só olhando pra ele.
 pensou que a gente não ia entender, não é? entregue esta folha de papel ao funcionário da sala ao lado.


era uma longa caminhada, a folha estava dobrada e presa por um clipe no meu cartão. levantei a ponta e espiei: "... possui uma grande sensibilidade dissimulada pela fisionomia impassível..." boa piada, pensei, puta que pariu! eu: sensível!!
 e lá se foi Moyamensing. e assim ganhei a guerra.


 Retirado do Livro: Fabulário geral do delírio cotidiano - parte II

A Grade - Carl Sandburg

A GRADE

 
Agora, a mansão à beira do lago já está
        concluída, e os trabalhadores estão
        começando a grade.
São barras de ferro com pontas de aço, capazes
        de tirar a vida de qualquer um que se
        arrisque sobre elas.
Como grade, é uma obra-prima e impedirá a
        entrada de todos os famintos e vagabundos
        e de todas as crianças vadias à procura de
        um lugar para brincar.
Entre as barras e sobre as pontas de aço nada
        passará, exceto a Morte, a Chuva e o Dia de
        Amanhã.



   Tradução: Carlos Machado

E a morte perderá seu domínio - Dylan Thomas


E a morte perderá o seu domínio.
Nus, os homens mortos irão confundir-se
com o homem no vento e na lua do poente;
quando, descarnados e limpos, desaparecerem os ossos
hão-de nos seus braços e pés brilhar as estrelas.
Mesmo que se tornem loucos permanecerá o espírito lúcido;
mesmo que sejam submersos pelo mar, eles hão-de ressurgir;
mesmo que os amantes se percam, continuará o amor;
e a morte perderá o seu domínio.

E a morte perderá o seu domínio.
Aqueles que há muito repousam sobre as ondas do mar
não morrerão com a chegada do vento;
ainda que, na roda da tortura, comecem
os tendões a ceder, jamais se partirão;
entre as suas mãos será destruída a fé
e, como unicórnios, virá atravessá-los o sofrimento;
embora sejam divididos eles manterão a sua unidade;
e a morte perderá o seu domínio.
E a morte perderá o seu domínio.
Não hão-de gritar mais as gaivotas aos seus ouvidos
nem as vagas romper tumultuosamente nas praias;
onde se abriu uma flor não poderá nenhuma flor
erguer a sua corola em direcção à força das chuvas;
ainda que estejam mortas e loucas, hão-de descer
como pregos as suas cabeças pelas margaridas;
é no sol que irrompem até que o sol se extinga,
e a morte perderá o seu domínio.

(tradução: Fernando Guimarães)
Link: O Poema

Em meu ofício ou arte taciturna - Dylan Thomas

Em meu ofício ou arte taciturna
Exercido na noite silenciosa
Quando somente a lua se enfurece
E os amantes jazem no leito
Com todas as suas mágoas nos braços,
Trabalho junto à luz que canta
Não por glória ou pão
Nem por pompa ou tráfico de encantos
Nos palcos de marfim
Mas pelo mínimo salário
De seu mais secreto coração.

Escrevo estas páginas de espuma
Não para o homem orgulhoso
Que se afasta da lua enfurecida
Nem para os mortos de alta estirpe
Com seus salmos e rouxinóis,
Mas para os amantes, seus braços
Que enlaçam as dores dos séculos,
Que não me pagam nem me elogiam
E ignoram meu ofício ou minha arte.

(tradução: Ivan Junqueira)
Link: O Poema

o estouro - Charles Bukowski


demais
tão pouco

tão gordo
tão magro
ou ninguém

risos ou
lágrimas

odiosos
amantes

estranhos como faces como
cabeças de
tachinhas

exércitos correndo através
de ruas de sangue
brandindo garrafas de vinho
baionetando e fodendo
virgens.

ou um velho num quarto barato
com uma biografia de M. Monroe.

há tamanha solidão no mundo
que você pode vê-la no movimento lento dos
braços de um relógio.

pessoas tão cansadas
mutiladas
tanto pelo amor como pelo desamor.

as pessoas simplesmente não são boas umas com as outras
cara a cara.

os ricos não são bons com os ricos
os pobres não são bons com os pobres.

estamos com medo.

nosso sistema educacional nos diz que
podemos ser todos
grandes vencedores.

eles não nos contaram
a respeito de misérias
ou dos suicídios.

ou do terror de uma pessoa
sofrendo sozinha
num lugar qualquer

intocada
incomunicável

regando plantas.

as pessoas não são boas umas com as outras
as pessoas não são boas umas com as outras
as pessoas não são boas umas com as outras

suponho que nunca serão.
não peço para que sejam.

mas às vezes eu penso sobre
isso.

as contas dos rosários balaçarão
as nuvens nublarão
e o assassino degolará a criança
como se desse uma mordida numa casquinha de sorvete.

demais
tão pouco

tão gordo
tão magro
ou ninguém

mais odiosos que amantes.

as pessoas não são boas umas com as outras.
talvez se elas fossem
nossas mortes não seriam tão tristes.

enquanto isso eu olho para as jovens garotas
talos
flores do acaso.

tem que haver um caminho.

com certeza deve haver um caminho sobre o qual ainda
não pensamos.

quem colocou este cerébro dentro de mim?

ele chora
ele demanda
ele diz que há uma chance.

ele não dirá
"não".

sábado, 13 de agosto de 2011

DITADO


(ROMULO FRÓES / NUNO RAMOS) BR-AGL-11-0002

ESCREVE AÍ QUE É PRA LEMBRAR, EU ANDO MEIO ESQUISITO, AGORA ANOTA
O MEU DITADO / O CORAÇÃO ESTÁ NO MEIO DE DUAS VEIAS QUE BOMBEIAM
O SANGUE BOM E O ESTRAGADO / TÁ TUDO LIMPO E TEM O SUJO, TÁ TUDO
LINDO / E VEM O CUJO, O BOM E O FEIO SE MASCARAM / A QUARTA-FEIRA
JÁ CHEGOU, O CARNAVAL NEM COMEÇOU, AGORA OUVE O MEU DITADO //
SOBE A LADEIRA, ESCALA O TOPO DE UMA IGREJA OU DE UM MORRO E PULA
LÁ DO ALTO / NO MEIO UM PAR DE ASAS SECRETAS, COMO AS DE BORBOLETAS,
VAI BROTAR NAS TUAS COSTAS / MERGULHA, AFOGA NO MAR SALGADO, TUAS
GUELRAS VÃO BROTAR / CÊ NÃO PERCEBE QUE PODE MORRER AGORA, QUE É
MAIORAL, QUE É PAI GERAL, É SEM IGUAL, É IMORTAL //
COMO UM DEFUNTO, IMORTAL COMO UMA IGUANA, IMORTAL COMO UMA ÉGUA
/ O AR EM TEU PULMÃO VEM DE UMA IDÉIA, E DA MEDULA, E DA PLACENTA
CINZENTA E COLORIDA / DA ALEGRIA, DA ALEGRIA, DA ALEGRIA / ESCUTA
O MEU DITADO / EU PEÇO MÚSICA E FAÇO MÚSICA E DIGO MÚSICA E CANTO
MÚSICA / MAS ESTOU CALADO //
A MÃO DIREITA QUER A ESQUERDA, O PÉ QUE SAMBA QUER O TOMBO, DENTRO
DO GRITO TEM SILÊNCIO / A CHUVA ESCONDE UM CÉU DE ESTRELAS E JONAS
DENTRO DA BALEIA ACENDE UM SOL, SUA FOGUEIRA / DENTRO DO DENTRO
TEM O DENTRO, DENTRO DO SONO TEM O SONO, DENTRO DO AZUL TEM OUTRO
AZUL / MAS TEM O FORA ALI TAMBÉM, E ACORDA O SONO DE NINGUÉM, E HÁ
NO CÉU A COR DA ROSA //
A VIDA ÀS VEZES TEM UM LADO / A VIDA ÀS VEZES TEM DOIS LADOS / A
VIDA ATÉ TEM TRÊS OU QUATRO //
ANOTA BEM O MEU DITADO / ÀS VEZES FICA ATÉ QUADRADA / MAS BEM LÁ
DENTRO VOCÊ SABE //
A VIDA É CÍRCULO E É ELIPSE / QUANDO ELA É SOL ELA É ECLIPSE / QUANDO
ELA MORRE É QUE ELA VIVE //

Sorte - Charles Bukowski



o que está mal a respeito disso
tudo
é ver as pessoas
bebendo café e
esperando. gostaria de
embebê-los todos
na sorte. eles precisam bem
mais do que eu.

sento nos cafés
e os vejo a
esperar. não creio
que haja muito mais
a fazer. as moscas
vão pra lá e pra cá
nos vidros das janelas
e bebemos nosso
café e fingimos
não olhar uns
para os outros.
espero junto com eles,
entre o movimento
das moscas
as pessoas vagueiam.

noite de Natal, sozinho - Charles Bukowski



noite de Natal, sozinho
num quarto de motel
junto á costa
perto do pacífico –
ouviu?

eles tentaram fazer desse lugar algo
espanhol, ha
tapeçarias e lâmpadas e,
o banheiro é limpo, há
minibarras de sabonete
rosa.

não nos encontrarão por
aqui:
as piranhas ou as damas ou
os adoradores
de ídolos.

lá na cidade
eles estão bêbados e em pânico
furando sinais vermelhos
arrebentando suas cabeças
em homenagem ao aniversário de
Cristo. isso é uma beleza

em breve terei  terminado esta garrafa de
rum porto-riquenho.
pela manhã vomitarei e tomarei
banho, voltarei  para
casa, comerei um sanduíche à uma tarde,
estarei no meu quarto por volta das
duas;
estirado na cama,
esperando o telefone tocar,
sem responder
meu feriado é uma
evasão, minha razão
não é.

sábado, 6 de agosto de 2011

Uma Vela para Dario - Dalton Trevisan




Dario vinha apressado, guarda-chuva no braço esquerdo e, assim que dobrou a esquina, diminuiu o passo até parar, encostando-se à parede de uma casa. Por ela escorregando, sentou-se na calçada, ainda úmida de chuva, e descansou na pedra o cachimbo.

Dois ou três passantes rodearam-no e indagaram se não se sentia bem. Dario abriu a boca, moveu os lábios, não se ouviu resposta. O senhor gordo, de branco, sugeriu que devia sofrer de ataque.

Ele reclinou-se mais um pouco, estendido agora na calçada, e o cachimbo tinha apagado. O rapaz de bigode pediu aos outros que se afastassem e o deixassem respirar. Abriu-lhe o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta. Quando lhe retiraram os sapatos, Dario roncou feio e bolhas de espuma surgiram no canto da boca.

Cada pessoa que chegava erguia-se na ponta dos pés, embora não o pudesse ver. Os moradores da rua conversavam de uma porta à outra, as crianças foram despertadas e de pijama acudiram à janela. O senhor gordo repetia que Dario sentara-se na calçada, soprando ainda a fumaça do cachimbo e encostando o guarda-chuva na parede. Mas não se via guarda-chuva ou cachimbo ao seu lado.

A velhinha de cabeça grisalha gritou que ele estava morrendo. Um grupo o arrastou para o táxi da esquina. Já no carro a metade do corpo, protestou o motorista: quem pagaria a corrida? Concordaram chamar a ambulância. Dario conduzido de volta e recostado á parede - não tinha os sapatos nem o alfinete de pérola na gravata.

Alguém informou da farmácia na outra rua. Não carregaram Dario além da esquina; a farmácia no fim do quarteirão e, além do mais, muito pesado. Foi largado na porta de uma peixaria. Enxame de moscas lhe cobriu o rosto, sem que fizesse um gesto para espantá-las.

Ocupado o café próximo pelas pessoas que vieram apreciar o incidente e, agora, comendo e bebendo, gozavam as delicias da noite. Dario ficou torto como o deixaram, no degrau da peixaria, sem o relógio de pulso.

Um terceiro sugeriu que lhe examinassem os papéis, retirados - com vários objetos - de seus bolsos e alinhados sobre a camisa branca. Ficaram sabendo do nome, idade; sinal de nascença. O endereço na carteira era de outra cidade.

Registrou-se correria de mais de duzentos curiosos que, a essa hora, ocupavam toda a rua e as calçadas: era a polícia. O carro negro investiu a multidão. Várias pessoas tropeçaram no corpo de Dario, que foi pisoteado dezessete vezes.

O guarda aproximou-se do cadáver e não pôde identificá-lo — os bolsos vazios. Restava a aliança de ouro na mão esquerda, que ele próprio quando vivo - só podia destacar umedecida com sabonete. Ficou decidido que o caso era com o rabecão.

A última boca repetiu — Ele morreu, ele morreu. A gente começou a se dispersar. Dario levara duas horas para morrer, ninguém acreditou que estivesse no fim. Agora, aos que podiam vê-lo, tinha todo o ar de um defunto.

Um senhor piedoso despiu o paletó de Dario para lhe sustentar a cabeça. Cruzou as suas mãos no peito. Não pôde fechar os olhos nem a boca, onde a espuma tinha desaparecido. Apenas um homem morto e a multidão se espalhou, as mesas do café ficaram vazias. Na janela alguns moradores com almofadas para descansar os cotovelos.

Um menino de cor e descalço veio com uma vela, que acendeu ao lado do cadáver. Parecia morto há muitos anos, quase o retrato de um morto desbotado pela chuva.

Fecharam-se uma a uma as janelas e, três horas depois, lá estava Dario à espera do rabecão. A cabeça agora na pedra, sem o paletó, e o dedo sem a aliança. A vela tinha queimado até a metade e apagou-se às primeiras gotas da chuva, que voltava a cair.


Conto retirado do livro "20 contos menores"
 

Citações Céline


"Quando não se tem imaginação morrer é pouca coisa, quando se tem, morrer é demasiado."

"Ser médico é uma tarefa ingrata. Quando é pago pelos ricos, corre o risco de ser considerado como um criado, quando é pago pelos pobres, um ladrão."

"Ser médico é uma tarefa ingrata. Quando é pago pelos ricos, corre o risco de ser considerado como um criado, quando é pago pelos pobres, um ladrão."

"A alma é a vaidade e o prazer do corpo são."

"Estar sozinho é treinarmo-nos para a morte."

"Tudo se expia, tanto o bem como o mal, cedo ou tarde se pagam. O bem é mais caro, forçosamente."

"A maior parte das pessoas morre apenas no último momento; outras começam a morrer e a ocupar-se da morte vinte anos antes, e ás vezes até mais. São os infelizes da terra."

"A verdade é uma agonia sem fim. A verdade deste mundo é a morte. É preciso escolher: morrer ou mentir. E eu nunca me consegui matar."

Louis-Ferdinand Céline

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Músicas que citam Kerouac


Jack Kerouac – Jack Johnson

Listen to the sex and music in the stereo.
Cruisin' in my Cadillac, Ya know I'm gonna losing in Jack
Kerouac.
Now I'm Cruisin' in my Cadillac, I'm gonna lose me, Jack
Kerouac
I said I'm Cruisin' in my Cadillac,, I'm gonna lose it, Jack
Kerouac
Now I'm Cruisin' in my Cadillac,, I'm gonna losing, Jack
Kerouac.

Lately, I've been dreaming,
trying to find my inner healing.
All the trouble I've been leaving,
don't you wanna know?.
Time hang as me, as a minute,
I'm alone, for this feeling.
I'll find all that cellding,
where I'm on the road.

Cruisin' in my Cadillac,I'm gonna losing in, Jack Kerouac,
So I'm Cruisin' in my Cadillac,, I'm gonna losing in Jack
Kerouac.

Now, love I've been living,
My heart keeps on breathin'.
For the world I've been needing,
I wish you could go.
I dream through the season,
Gettin' lost for no reason.
Find the place I've been leading,
where I'm on the road.

I'm trying to love you, baby,
love just so make me a little crazy.
I don't want you to hate me,
living on the road.



Jack Kerouac – Gang 90
Composição: Alice Pink Pank e Julio Barroso

Ontem a noite eu sonhei
que eu era Jack Kerouac
E subi num terraço: rua Houston
E vi as duas torres gêmeas brilhando.
O cabelo louro da menina
As tranças negras do crioulo
A sua guitarrra - a sua angústia calma.
Eu desci
Peguei a minha lata de spray
Sai pela rua, pintei dois olhos verdes nas paredes.
Ontem a noite eu sonhei
que conversava com Jack Kerouac
Ele chegava e me dizia
"Hey Man! eu renasci black
E agora sou um tocador de piston!"
Eu só sei que o som era tão alto que despertou o mundo inteiro
Eu acordei, e saí mandando brasa nas estradas do mundo.
Ei Jack! Bye Bye


3-minute Rule – Beastie Boys

Stay up all night go to sleep watching Dragnet
Never sleep alone because Jimmy's the magnet
I'm so rope they call me Mr. Roper
When the troubles arise I'm the cool coper
On the mic I score just like the Yankees
Get over on Ms. Crabtree like my main man Spankee
Excuse me young lady I don't mean to trouble ya
But you're looking mighty fine inside your B.M.W.
I got lucky I brought home a kitten
Before I got busy I schlepped on my mitten
Can't get better odds cause I'm a sure thing
Proud Mary keeps on turning rolling like a Ring Ding
Jump the turnstile never pay the tool
Doo wa diddy bust with the pre-roll
Customs jail me over an herb seed
Don't rat on your boy over some rat weed
Not perfect grammar always perfect timing
The Mike stands for money and the D. is for diamonds
Out of your back door and into another
Your boyfriend doesn't know about me and your mother
Roses are red the sky is blue
I got my barrel at your neck so what the fuck you gonna do
It's just two wheels and me the wind in my eyes
The engine is the music and my nine's by my side
Cause you know why a you see H.
I'm takin' all M.C.'s out of the place
Takin' life as it comes no fool am I
I'm goin' off gettin' paid and I don't ask why
Playin' beats on my box makin' music for the many
Know alota funky girls who like to do their thing
A lot of parents like to think I'm a villain
I'm just chillin' like Bob Dylan
I smoke cheeba it helps me with my brain
I might be a little dusted but I'm not insane
People come up to me and they try to talk shit man
I've been making records since you were sucking on your mother's limp
dick
Girl you're walking tall now with your fancy clothes
You got fancy things going up your nose
You get fancy gifts from expensive men
You're a dog on a leash like a pig in a pen
Mothership connection getting girl's affection
If your life needs correction don't follow my direction
You got your 8 by 10 your agent your Harley
You be driving around Hollywood yes sorry charlie
Cause I'm running things like some Mack motherfucker
Your only claim to fame is you're a false fake sucker
You slip you slack you clock me you lack
While I'm reading on the road by my man Jack Kerouac
My veins are like vines
Filled with red wine
Poetry in motion coconut lotion
I had to diss the girl because she got too emotional
Are you experienced little girl
I want to know what goes on in your little girl world
Give time for your mind it's hard to forget me
I'll take your pride for a ride if you let me
So peace out now, and keep peacing out
Full throttle to the bottle and full full clout
And I'm out



Cleaning Windows  – Van Morrison
 
Oh, the smell of the bakery from across the street
Got in my nose
As we carried our ladders down the street
With the wrought-iron gate rows
I went home and listened to Jimmie Rodgers in my lunch-break
Bought five Woodbines at the shop on the corner
And went straight back to work.
Oh, Sam was up on top
And I was on the bottom with the v
We went for lemonade and Paris buns
At the shop and broke for tea
I collected from the lady
And I cleaned the fanlight inside-out
I was blowing saxophone on the weekend
In that down joint.

What's my line?
I'm happy cleaning windows
Take my time
I'll see you when my love grows
Baby don't let it slide
I'm a working man in my prime
Cleaning windows (number a hundred and thirty-six)

I heard Leadbelly and Blind Lemon
On the street where I was born
Sonny Terry, Brownie McGhee,
Muddy Waters singin' I'm A Rolling Stone
I went home and read my Christmas Humphreys' book on Zen
Curiosity killed the cat
Kerouac's Dharma Bums and On The Road

What's my line?
I'm happy cleaning windows
Take my time
I'll see you when my love grows
Baby don't let it slide
I'm a working man in my prime
Cleaning windows