quinta-feira, 21 de abril de 2011

Uma garota de lindas pernas - Charles Bukowski


Um Conto de Charles Bukowski Traduzido por: Mário Campos

A primeira vez que a vi foi num bar na rua Alvarado. Lisa era o nome. Na época eu tinha 24 anos e ela aparentava uns 35. Ela estava lá sentada no centro do bar e os dois bancos ao seu redor estavam vazios. Achei um tanto estranho não haver nenhum cara lhe penteando, tentando conseguir uma boa trepada.

Comparada com a maioria das mulheres que frequentavam  aquele antro, ela realmente bonita. Seu rosto era meio arredondado e seu cabelo aparentemente nada tinha de excepcional, mas havia uma espécie de quietude e paz no modo como se sentava. Algo confortante que só as pessoas em paz conseguem passar. Sentia também um pouco de tristeza e timidez no seu jeito de olhar.



Levantei de meu banco para ir ao banheiro e tanto na ida como na volta passei ao seu lado; dei uma boa olhada nela. Era pequena, miúda, um pouco atarracada, mas com ancas perfeitas, bem formadas. No entanto a parte mais exuberante de seu corpo eram as pernas: tornozelos roliços, barrigas de pernas perfeitas, joelhos que imploravam para serem tocados, quase gritando, e coxas maravilhosamente torneadas.

Era como se aquela parte de seu corpo não tivesse sentido o peso do tempo, enquanto o resto dele se definhara.

Seu queixo era redondo como uma rosca e seu rosto bastante fofo. Parecia estar bêbada.
Ela usava sapatos de salto alto, pretos e brilhantes; em seu braço esquerdo havia três pulseiras de ouro falsificado e vagabundo e um pouco acima do pulso uma escura pele de toupeira, ou outra porra qualquer morta. Fumava um cigarro comprido e seu olhar estava fixo no copo de bebida. Parecia estar tomando whisly junto com uma garrafa de cerveja pra suavizar o baque.

Voltei par ao meu banco, acabei com meu whisly e pedi outro ao barman. Quando ele trouxe a bebida eu perguntei-lhe sobre as lindas pernas.

— Oh! — Exclamou ele — é a Lisa.
— Ela é bem bonita, —  comentei —  por que nenhum dos homens se senta ao seu lado?
— Isso é simples, — ele respondeu. — Ela é louca.

Depois disso retirou-se. Peguei o meu copo e fui até Lisa. Sentei-me no banco à sua esquerda, acendi um cigarro e tomei um gole da minha bebida. Eu já estava parcialmente bêbado. Peguei meu whisly e virei-o de uma só vez. Chamei o barman de novo:

— Repita a dose pra nós dois, e traga também duas cervejas.
Ao ouvir isso, Lisa acabou com sua bebida.
Quando as novas chegaram, cada um de nós tomou um gole d seu. Em seguida ficamos ambos olhando para o infinito.

Acho que alguns segundos se passaram até que ela disse:
— Não gosto das pessoas, e você?
— Também não.
Ela secou sua bebida e tomou um gole de cerveja. Fiz o mesmo.
— Sou louca — disse ela.
— Você é louco? Perguntou.
Sim.
Chamei o barman
— Eu pagarei a próxima — ela disse.

Encomendou as bebidas como se aquele ato fosse a coisa mais cotidiana em sua vida, como se fosse tudo que ela havia feito nos últimos dez anos ou quinze anos. Quando elas chegaram eu disse:
— Obrigado Lisa.
— É um prazer... Qual o seu nome?
— Hank.
— É um prazer, Hank.
— Tomou um gole e olhou pra mim de um jeito estranho.
— Você é louco o bastante pra quebrar o espelho de um bar?
— Acho que já fiz isso.
— Onde foi?
— O Orchoid room.
— O Orchoid room é um lugar estúpido e bobo.
— Não o freqüento mais.

Em seguida, Lisa, num só gole, bebeu quase toda a garrafa e suspirou.
— Cara, eu vou quebrar o espelho deste bar.
— Vá em frente — eu sugeri.

Acabou com a bebida levantou-se e pegou a garrafa de cerveja vazia. Levantou-se e colocou-a atrás da cabeça.
Num impulso repentino eu saltei tentando segurar seu braço, mas foi tarde demais.

A garrafa de cerveja, em trajetória de arco, voou até o espelho enquanto minha mente disse rapidamente:
— Não, não, merda!
Houve um aguçado estrondo de coisas se partindo, e estilhaços de vidros voaram como gigantes pingentes de gelo. Por alguma razão estranha as luzes se apagaram.

Foi assustador, mágico e lindo.
Acabei com meu whisky.

No escuro vi algo branco se aproximar. Era o barman que se reduzira a camisa e avental. Estava se mexendo rapidamente.
— Sua puta louca! — ele gritou.
— Vou te matar!

Posicionei Lisa atrás de mim. Tateei no escuro e achei a minha garrafa de cerveja. Quando o barman se aproximou dei sorte de acertá-lo na têmpora esquerda. No entanto, o desgraçado não caiu, ficou ali de pé no escuro com aquela roupa branca. Parecendo um desses porteiros de hotel chic esperando um táxi.

Passei a garrafa para minha mão esquerda e acho que pude sentir fraturar sua têmpora direita. Caiu em direção ao balcão, mas se segurou com ambas as mãos em um dos cantos.
Ficou assim por alguns instantes para em seguida tombar em direção À rua Alvarado.
Quando alcançou o chão as luzes se acenderam. Um sincronismo estranho, realmente.
Por um segundo parecia que todos no bar estavam congelados: os bebuns, eu, Lisa e o barman.

Em seguida eu berrei:
— “Vambora!”.
Agarrei Lisa pelo braço e a arrastei em direção à saída. No instante seguinte estávamos num beco. Eu a puxava.
— Venha, venha rápido!
— Não consigo correr com estes horríveis saltos.
— Então tira essa porra — eu disse.

Ela parou, arrancou-os dos pés, passou-me um, ficou com o outro, e corremos atravessando o beco. Quando chegamos ao outro lado, olhei para trás. Não estávamos sendo perseguidos.
— Tudo certo. Coloque os sapatos.
Assim fez. Enfiou o primeiro, apoiou-se no meu ombro e enfiou o segundo. Ficou em pé balançando aquele rabo divino.
— Pronto, vamos!
— Pra onde? Ela perguntou.
— Pra minha casa.
— Estávamos no final do beco, perto de uam esquina. Vi um ônibus, ergui meu braço e fiz sinal: puxei Lisa. O motorista já havia fechado a porta, mas parecia ser um cara legal, e a reabriu. Entrei empurrando Lisa e paguei as passagens. Tentei fazer com que se sentasse mas não consegui, ela ficou de pé segurando no encosto do banco.
Olhou-me bruscamente. Através de seus olhos verdes percebi uma enorme irritação. Ela disse:
— Merda! Quero um táxi. Sou uma dama. Não ando nesta bosta de transporte.
Lisa parecia uma linda gazela bêbada e sua maravilhosa bunda balançava com o sacolejar do ônibus.
— Eu quero um táxi. Sou uma senhora. Que fudição é essa?
— Bem, são só quatro quadras.
— Merda! — ela berrava — merda!

O próximo ponto era o nosso. Dei o sinal de parada. Na verdade apenas puxei aquela porra de fio. O ônibus parou. Peguei a mão de Lisa, passei meu braço pela sua cintura e ajudei-a a descer. Através da porta aidna abert ao motorista me olhou e disse:
—  Boa sorte cara. Vai precisar dela.
— Vá se foder, você está com inveja! — respondi.

Ele riu, fechou a porta e sumiu com o ônibus na escuridão da noite. Eu gostei dele, parecia ser um cara comum, apenas estava dirigindo aquela merda de lata velha tentando mudar a sorte. Simplesmente não dava, e algum dia iria desistir de tudo, assim como eu também.
Lisa aparentava estar cada vez mais bêbada, e eu também não estava nada bem. Eu lhe ajudava a andar com um dos meus braços em volta de sua cintura, e o outro segurando seu braço direito ao redor de meu pescoço. Suas lindas pernas estavam desistindo e se entregando.
— Você não tem uma porra de carro?
— Não.
— Você é um cuzão.
— Sim.
Aos poucos chegávamos perto de meu apartamento.
— Tem alguma coisa para beber lá em cima? Se não tiver eu não vou entrar nesse lugar.
— Muitas garrafas de vinho... as melhores.
— Estou doente — disse ela, e se inclinou para a esquerda.

Eu estava tão bêbado que não consegui segurá-la. Caímos. A sorte foi que havia uma cerca do nosso lado, despencamos em cima dela. Caí na folhagem, rolei para trás e acabei deitado de costas na calçada. Levantei e olhei para baixo. Lá estava Lisa, deitada ao luar; metade de seu corpo na cerca e a outra metade na calçada. Sua saia estava levantada expondo as pernas mais lindas do planeta. As pernas brilhavam pra mim. Fiquei pasmo como que se não acreditando no que via. Quase gozei. No entanto, logo voltei À realidade.
— Lisa! — eu disse —Lisa, por favor levanta,  acorda!
— Annh?
— A polícia vem vindo.

Consegui levantá-la e chegar à porta da frente do prédio. Fomos diretamente para o elevador já estava lá. Entramos. Enquanto a segurava, apertei o botão do meu andar. O troço fez um barulho e começou a subir.
— Sinto falta de meu filho. Quero meu bebê.
— É lógico que quer, — retruquei.

Tirei-a de lá e quando abri a porta do apartamento ambos caímos de novo.
Lisa se levantou, deu uma sacudida, arrumou sua saia, apanhou a bolsa e atravessou a sala para sentar numa cadeira.

Começou a fuçar ali dentro, digo, da bolsa, à procura de seus cigarros. De lá de fora, o neon mais vermelho de Los Angeles penetrava pela janela.
Abri uma garrafa de vinho para ela e a servi; ao som discreto e sedutor do esfregar de nylon, ela cruzou as pernas.

Na poltrona à sua frente, eu tinha outra garrafa. Já havia enchido meu copo. Esvaziei-o e tornei a enchê-lo.

Lisa olhou pra mim. Seus olhos foram ficando cada vez maiores. Parecia estar ficando doida, maluca. Então disse:
—  Você pensa que é grande merda? Você pensa que é o Sr. Van Bilderass?
Eu já estava de roupa íntima, cueca manchada e rasgada como sempre. Levantei. Dei um pulo e bati nas minhas coxas.
— Ei, você pensa que tem boas pernas? Olhe para estas.
Voltei para a poltrona e bebi mais meio copo. Ela simplesmente continuou olhando para mim daquela maneira. Seus olhos iam ficando maiores e maiores. Imensos.
— Você pensa que é o Sr. Van Bilderass?
— Claro!
Ela se inclinou para pegar a garrafa de vinho, que já havia tampado e, enquanto me olhava com seus imensos olhos selvagens, elevou a garrafa até a cabeça. Aquela louca se preparava para atirar a porra da garrafa em mim. Berrei:
— Espere aí!
Ela ficou imóvel com o braço erguido. Tentei pensar rápido. Eu disse:
— Se você quiser atirar essa filha-da-puta, você pode, mas se você fizer isso é bom que me desmaie, caso contrário eu vou devolvê-la arrancando sua cabeça.
Colocou a garrafa no chão com aquele olhar louco. Suspirei aliviado. Fui até lá, destampei a garrafa, e enchi meu copo; depois fiz o mesmo com o seu. Voltei para a minha poltrona e me sentei. Sentia-me estranhamente bem.
— Agora quero que levante sua saia um pouco mais, sua puta.
Fiquei surpreso quando ela o fez. A saia estava agora duas polegadas acima de seu joelho.
—  Agora me dá mais uma polegada. Nada mais do que isso.
Ela o fez.
Levantei-me e fiquei à sua frente. Cada curva e reentrância de seu corpo era estupendo. Eu morria de tesão. Seus sapatos reluziam.
— Torça seu tornozelo. Erga a perna um pouco, meu bem.
Lisa obedeceu.
— Agora pare aí!  — ela parou.
— Agora quero mais uma polegada, vamos!
Lisa levantou a sai mais um pouco.
— AAH!, assim, assim está bem!
Virei um bicho sedento, ajoelhei-me e acariciei suas pernas, enfiei a mão por entre as coxas e desci até os joelho. Ela me olhou maliciosamente:
  Você é um estúpido fudido. Um maluco.
Peguei seu pé e beijei seu sapato de salto alto. Em seguida fui subindo até o tornozelo.
— Você não é um assassino, é? — ela perguntou.
— Uma de minhas amigas foi amarrada por um cara aos pés de sua cama e o viado a esfaqueou. O cara ia retalhar ela todinha, mas ela gritou tão alto que os “ratos” ouviram e a salvaram. Você não é...
— Cala a boca!
Levantei e coloquei o pau para fora. Cuspi na palma da mão e comecei a massageá-lo.
— Você é uma puta fudida! —
 Eu disse.
Continuei a me esfregar com naturalidade. Não tinha nada a perder.
— Outra polegada, mostre-me outra polegada!
Continuei esfregando.
— Mais, mostre-me mais, mais!
Era o segredo e o truque e a penetração. A amplitude dos sentidos.
— Ahhh, meu Deus, consegui!
A substância branca e pastosa jorrou; era o alívio de anos de frustração e solidão. À medida que eu expelia aquela gosma branca sobre suas pernas de nylon, parecia sentir em cada gota a angústia dos excluídos, dos esquecidos e do triste ser que eu era.
Ela berrou e deu um pulo.
— Seu porco! Seu porco fudido, idiota!
Lisa correu até o banheiro. Peguei a ponta de minha camisa e me limpei com ela. Voltei para a poltrona, enchi um copo e acendi um cigarro. As coisa pareciam ter algum sentido agora.

Lisa voltou do banheiro, sentou-se e se serviu de um copo. Acendeu um cigarro, e deu um trago profundo nele. Soltou a fumaça devagar. Sua voz sobressaiu-se por detrás da nuvem branca.
—  Seu pobre miserável fudido!
— Eu te amo, sua puta! — Eu disse.
Ela virou o rosto para  a parede.
Mal eu sabia que era o começo dos dois anos mais miseráveis e fortalecedores de minha vida.
— Esta é a única bebida que tem aí para oferecer? Este vinho fudido e barato?
— Não é tão ruim assim, Lisa. O que eu faço quando bebo é pensar em algo bem agradável como cachoeiras, ou uma conta bancária de quinhentos dólares. Ou as vezes eu imagino que estou num castelo com um fosso em volta. Ou ainda, finjo ser o dono de uma casa de bebidas finas.
— Você é louco, cara! — Ela disse.
E estava absolutamente certa.

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